sábado, 24 de maio de 2014

Acabem com a lista única nas Europeias

FILIPE MALHEIRO, Jornalista
A lista única deve ser eliminada e substituída por um sistema de distribuição dos mandatos por 6 diferentes regiões nacionais em moldes que teriam que ser pensados e negociados, incluindo a distribuição dos mandatos que cabem ao nosso país.
 
 
 
 
Acabamos de sair de uma campanha eleitoral - para o Parlamento Europeu - que cada vez mais diz menos às pessoas, para eleições europeias que tendencialmente registam as mais elevadas taxas de abstenção, por culpa própria, por culpa dos políticos, por culpa do discurso político e dos partidos, muitos deles insistem em modelos eleitorais que são abjetos e que em vez de aproximarem cidadãos eleitores de candidatos e eleitos, cavam ainda mais o fosso existente entre eles. Este modelo eleitoral, assente numa lista única, propicia negociatas, pressões, trocas, enfim, a promoção muitas vezes da mediocridade em detrimento da competência e do pragmatismo.
 
Temos, portanto, uma realidade que se tem agravado ao longo dos anos mas que é um paradoxo, até porque o Parlamento Europeu verá reforçadas as suas competências, reduzindo deste modo a ideia de desnecessidade absoluta que dele as pessoas têm: na União Europeia, bem ou mal, com todos estes defeitos, que existem e precisam ser expurgados, o Parlamento Europeu é o único órgão verdadeiramente democrático porque resulta diretamente da vontade expressa pelos cidadãos. Nenhum outro organismo comunitário pode ombrear com o PE. Mas isso não chega. Porque numa Europa com mais de 500 milhões de cidadãos, não podemos ter um Parlamento Europeu com quase 800 deputados eleitos por 25 ou 35% da população total da União.
 
Numa altura em que se fala tanto na Madeira de revisão constitucional e não sei mais do que, acho que é altura de promover a alteração do modelo eleitoral adotado em Portugal para o Parlamento europeu, na tentativa de combater a abstenção. Salvo se os nossos políticos acharem que para terem a maçada de 5 em 5 anos de umas eleições europeias, não vale a pena mudar nada...
 
Considero que a democracia é incompatível com a imposição do voto obrigatório mas reconheço que sobre esta questão tenho vindo a alterar pouco a pouco a minha opinião, pressionado pela abstenção crescente que não questionando a legitimidade dos eleitos, coloca em causa, indiscutivelmente, a sua representatividade - e se não nos parece que a Europa ganhe seja o que for impondo aos europeus a obrigação de votarem para elegerem quase 800 eurodeputados bem sentados e bem tratados lá no longínquo eixo Bruxelas-Estrasburgo, a verdade é que alguma coisa tem que ser feita.
 
No caso português, acho que a lista única deve ser imediatamente eliminada e substituída por um sistema de distribuição dos mandatos por 6 diferentes regiões nacionais (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, Madeira+Açores) em moldes que obviamente teriam que ser pensados e negociados, incluindo a distribuição dos mandatos que cabem ao nosso país.
 
Nem precisamos de fazer grande esforço para perceber o que está em causa:
- Entre 1989 e 2009, nas eleições europeias, a abstenção em Portugal passou de 27,8% para
63,2%, com esta evolução por regiões:
Norte - 25% e 61,7%
Centro - 28,8 e 64,0
Lisboa - 26,5 e 60,3
Alentejo -27,5 e 62,8
Algarve - 29,8 e 67,5
Açores - 45,9 e 78,3
Madeira - 33,0% e 59,8%.
 
Lembro a evolução da abstenção na Europa, considerando todos os países com
representação no Parlamento Europeu:
 
1979 - 38,01
1984 - 41,02
1989 - 41,6 (48,8% em Portugal)
1994 - 43,3 (64,5)
1999 - 50,5 (60,1)
2004 - 54,5 (61,3)
2009 - 56,9 (63,2)
 
No caso das duas regiões autónomas portuguesas que disputam há muitos anos o estatuto de região portuguesa menos abstencionista nas europeias (no caso da Madeira) e de região mais abstencionista (os Açores), a evolução da abstenção assentou nestes valores:
 
1987 - Madeira, 33% e Açores, 47%
1989 - Madeira, 43,3% e Açores, 59,5%
1994 - Madeira, 50,4% e Açores, 63,4%
1999 - Madeira, 50,4% e Açores, 69,1%
2004 - Madeira, 54,1% e Açores, 69,3%
2009 - Madeira, 59,8% e Açores, 78,3%
 
Não me venham com conversas tontas. Em França uma lei de 2003 criou oito circunscrições eleitorais para a eleição dos deputados franceses ao Parlamento Europeu, entre as quais uma (DOM) da qual fazem parte as três regiões ultraperiféricas francesas, Martinica, Guiana e Reunião, ao lado de outros territórios não europeus e continentais, que elegem 4 deputados europeus Mais. Em Itália, a legislação de 2009 criou cinco circunscrições para o Parlamento Europeu entre as quais a chamada Itália Insular (Sardenha e Sicília) que elegem 8 deputados.
Podemos referir também a eleição dos eurodeputados, feita de forma descentralizada, assente em diferentes circunscrições eleitorais, na Irlanda (3), na Bélgica (3), Polónia (13), Reino Unido (9 mais Irlanda do Norte, 3 deputados, Pais de Gales, 5 deputados e Escócia, 8 deputados).
 
Se querem salvar a Europa, se querem uma União Europeia, e portanto um Parlamento Europeu mais perto das pessoas, então comecemos pelo mais fácil: alterem o modelo eleitoral vigente em imensos países e propositadamente mantido para as negociatas do costume. Só para dar uma imagem do que se passa na Europa, recordo que um estudo recente mostrou que 6 em cada 10 espanhóis nem sabiam o nome do Presidente da Comissão Europeia!

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