segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Histórias...



FILIPE MALHEIRO Jornalista

Histórias que deviam travar a sofreguidão subjacente a uma tentativa de conquista da liderança, porque em política o tempo
tem sempre o seu tempo. As precipitações,
como demonstrou o PRD, têm sempre efeitos desastrosos e, além disso, os eleitores não esquecem os responsáveis pela austeridade. (...) 
Lições que a história nos dá a todos e que deviam ser assimiladas sobretudo por aqueles que não sabem (ou não querem?) controlar as suas emoções e ambições.
 
Nos anos oitenta, quando o PS entrou num período conturbado, com divergências internas, disputas pela liderança, institucionalização de fações - curiosamente de uma delas, o ex- Secretariado, surgida no final dos anos setenta, haveriam de sair, anos mais tarde, dois líderes nacionais do PS e um futuro Presidente (Sampaio) e primeiro-ministro (Guterres) – surgiu um novo partido, o PRD, centrado na figura do então Presidente da República (Ramalho Eanes) e “alimentado” pelas bases populares socialistas insatisfeitas com o que se passava no PS. Foi fulgurante o crescimento do PRD. Lembro-me muito bem disso. Lembro-me que o grupo do "ex- Secretariado" (liderado por Salgado Zenha) ficou ao lado do então Presidente da República Ramalho Eanes contra a vontade de Mário Soares.

Criado em 1985 rapidamente o PRD assumiu uma posição eleitoral e parlamentar, à custa do
PS, em grande medida, que se foi desvanecendo à medida que o PS colocou a casa em ordem e as disputas internas, incluindo a sofreguidão pela liderança, amainou bruscamente. Apesar da referência política e pessoal do partido ser Ramalho Eanes, o PRD foi sempre liderado por figuras próximas do ex-Presidente que só depois de ter abandonado Belém, e por um curtíssimo período de tempo, assumiu a liderança do partido nascido à sua imagem, um partido que se propunha "moralizar a vida política nacional". Mas que já estava em queda com a chegada de Eanes.

Lembro-me que este novo partido aproveitou-se também do impacto dos desaires eleitorais constantes dos socialistas e dos demolidores efeitos da política de austeridade imposta pelo governo PS-PSD (1983-1985) – sempre os mesmos! – acabando por ser o grande beneficiário da dissolução parlamentar de 1985, curiosamente decidida pelo próprio Eanes já no final do seu segundo mandato. Nas eleições seguintes o PRD obteve uma votação muito próxima do PS tendo chegado mesmo a ser, em termos parlamentares, o terceiro maior partido, que curiosamente viria a ser decisivo manutenção no poder do primeiro governo minoritário de Cavaco Silva.

A queda do PRD começou nas autárquicas de 1985, onde todas as fragilidades e contradições vieram à tona, seguindo-se o desastrado apoio à candidatura presidencial de Salgado Zenha (contra Mário Soares) que foi derrotado e afastado da corrida presidencial. Em 1987, muito incomodado com os seus próprios tiros-no-pé, o PRD avança com uma moção de censura que derrubaria o governo minoritário do PSD e de Cavaco, uma atitude suicida que teve um elevado preço, já que as eleições realizadas em consequência disso levaram ao quase desaparecimento do PRD da Assembleia da República, elegendo apenas 7 deputados em vez dos 45 que dispunha antes da dissolução.

Saído de Belém, o próprio Ramalho Eanes assumiria a liderança do PRD mas por pouco tempo já que se demitiu em virtude do desastre eleitoral sofrido. Curiosamente nas europeias de 1989, os renovadores fizeram um acordo com o PS, e elegeram um deputado na lista socialista  com o estatuto de independente (Canavarro), mas muitos fundadores do PRD afastaram-se por causa desse acordo. Anos depois ainda surgiu uma tentativa de refundação do PRD – cada vez com menos espaço político e eleitoral – mas fracassou. O PRD acabou por arrastar-se penosamente no xadrez político nacional até à sua dissolução em 1995, depois de ter perdido a sua representação parlamentar em 1991. Estranhamente o PRD foi assumido por elementos do extinto MAN – Movimento de Acção Nacional que o transformaram anos mais tarde no PNR, de extrema-direita.

Em Novembro de 1985, Mário Soares, autossuspendeu-se do cargo de secretário-geral do PS – uma decisão polémica que foi muito criticada no PSD e que viria a estar na origem de divergências
internas muitas delas acentuadas e que acabaram por gera clivagens que demoraram a sarar - para
anunciar a sua candidatura à Presidência da República. O Congresso Nacional do PS elege Vítor
Constâncio para Secretário-Geral do PS que derrota Jaime Gama. Em 1986 Mário Soares torna-se
o primeiro Presidente da República civil e partidário. Em 1987 o PSD ganha as eleições com maioria
absoluta, provocando a derrota do PS a queda de Constâncio em 1988. Sampaio, então presidente
do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, é eleito Secretário-Geral do partido no Congresso de
1989, onde se manteve até 1991 quando foi eleito presidente da Câmara de Lisboa e reeleito em
1983. Cavaco volta a derrota o PS de Sampaio com maior absoluta.

Resolvi recuperar esta história pelo simples facto de que admito que noutras latitudes e anos depois, surpreendentemente ela parece encaixar-se perfeitamente em cenários claramente ficcionais que alguns traçam. Histórias que deviam travar a sofreguidão subjacente a uma tentativa de conquista da liderança, porque em política o tempo tem sempre o seu tempo. As precipitações, como demonstrou o PRD, têm sempre efeitos desastrosos e, além disso, os eleitores não esquecem os responsáveis pela austeridade. Em política também está demonstrado que a travessia do deserto é temporalmente limitada, regra geral associada à própria memória coletiva dos povos. Talvez por isso Soares foi eleito presidente da República escassos anos depois de ter liderado dois governos responsáveis por uma tremenda austeridade imposta então, anos oitenta, não pela troika dos nossos dias, mas pelo FMI.

Lições que a história nos dá a todos e que deviam ser assimiladas sobretudo por aqueles que não sabem (ou não querem?) controlar as suas emoções e ambições. Regra geral eles acabam por deitar tudo a perder. Se lhes deixarem!

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